Para o encerramento ficou guardado outro dos momentos mais esperados. Ao palco do Grande Auditório subiu o coletivo romano Roots Magic (na ocasião configurado para sexteto), responsável por empreender uma fantástica missão: pegar nos elementos fundacionais dos blues mais profundos e da música popular norte-americana e transportá-los, qual máquina do tempo, para o outro lado do Atlântico no século XXI.
Os Roots Magic são Alberto Popolla (clarinetes), Errico De Fabritiis (saxofones alto e barítono), Gianfranco Tedeschi (contrabaixo) e Fabrizio Spera (bateria), a que se juntam, como convidados habituais, Eugenio Colombo (flauta e saxofone soprano) e Francesco Lo Cascio (vibrafone e percussões). Os blues emergem aqui na plenitude da sua africanidade e espiritualidade, interpelados criativamente por uma abordagem devedora do free jazz, movimento libertário que nos anos 1960 integrou com orgulho muitas dessas referências como arma contra a discriminação racial e pelos direitos cívicos da população negra. Os Roots Magic são isso mesmo: um mergulho na magia das raízes, na fonte primordial, incrível celebração dos “deep blues” (não saudosista ou emulativa, pois o que fazem é processar jazzisticamente essas referências) de todo um legado negro que viajou para a América a partir de África, e se desenvolveu num contexto escravocrata e de trabalhos forçados nos campos de algodão, nas minas ou nos caminhos de ferro, interpretado por músicos que dele se apropriam e o transformam com paixão, proficiência técnica e um meticuloso conhecimento de causa, desafiando espaço e tempo.
Escutaram-se interpretações muito especiais de “Last Kind Words”, blues da obscura cantora e guitarrista Geshie Wiley, “Devil Got My Woman”, emblema de Skip James, da maravilhosa “November Cotton Flower”, de Marion Brown, e a não menos tocante leitura de “Humility in the Light of the Creator”, de Kalaparusha Maurice McIntyre, com vénia a Milford Graves, desaparecido em fevereiro deste ano. Ocasião também para escutar material novo como “Run As Slow As You Can” e “Blue Lines”, peça dedicada ao grande Muhal Richard Abrams. Numa era em que pululam negacionistas do racismo e da discriminação, esta música é um grito de esperança que ressoa bem fundo. A grande música negra vista desta forma a partir do país de Salvini só pode ser motivo para exaltação. (A.B.)